Hoje publicamos uma belíssima poesia do meu amigo, sanfoneiro, forrozeiro e poeta: Manoel Valadares. Ele foi um dos primeiros sanfoneiros de São José de Espinharas. Ensinou Dedé de Helena, nosso grande mestre da sanfona, a dar os primeiros tons no acordeon. Morou na Fazenda Suécia, onde passou a infância e adolescência. Depois foi morar em Patos-PB, onde constituiu sua família.
Esta poesia é fruto de uma visita dele ao seu antigo endereço, que lhe provocou belas e tristes recordações e que nos mostra um pouco da vida rural nos anos 50 e 60 em nossa região.
EU RESOLVI ESCREVER
UM CASO QUE ACONTECEU
DE UMA VISITA QUE FIZ
QUE TANTO ME COMOVEU
A UM LUGAR TÃO HABITADO
E HOJE TÃO DESPREZADO
PARECENDO QUE MORREU
FOI NA FAZENDA SUÉCIA
ONDE MEU PAI ME CRIOU
NAQUELA CASINHA VELHA
QUANTO TEMPO ELE MOROU
HOJE TÃO ABANDONADA
DA CASA NÃO RESTA NADA
O TEMPO LHE DEVOROU
CASA VELHA, ESTOU AQUI
E VIM PRA LHE VISITAR
TRAZENDO ALGUMAS LEMBRANÇAS
SÓ HOJE VOU REVELAR
ESTÃO FICANDO VERMELHAS
ENTRE TEUS CACOS DE TELHAS
VIM PEDI PRA TI GUARDAR
TRAGO AQUI ALGUMAS CARTAS
QUE UM ALGUÉM ME ESCREVEU
A MAIS DE QUARENTA ANOS
SÓ QUEM SABE É ELA E EU
QUASE CINQUENTA JANEIROS
FOI AQUI NO SEU TERREIRO
ONDE TUDO ACONTECEU
VOCE GUARDOU O SEGREDO
DE TUDO QUE ACONTECEU
NA SOMBRA DO SEU OITÃO
CONVERSAVA ELA E EU
MAS POR SER JOVEM DEMAIS
SÓ VOCÊ NOS PROTEGEU
NOSSO NOME EM UMA PEDRA
FOI ESCRITO A LAPIDAR
NO ANO CINQUENTA E SETE
TIVEMOS QUE SE MUDAR
PRA MORAR EM MOSSORÓ
E O SEU NOME NA PEDRA
O SOL NÃO CONSEGUIU APAGAR.
FUI EM OUTRA MORADIA
FIQUEI UM TANTO ASSUSTADO
RIPAS E CACOS DE TELHAS
PELO CHÃO TUDO ESPALHADO
VI UM RESTO DE PAREDE
UM TORNO DE ARMAR REDE
RECORDAÇÃO DO PASSADO
ONDE MOROU DONA HELENA
É TRISTE VOCÊ OLHAR
EXISTIA UMA ESCOLA
PRA JUVENTUDE ESTUDAR
A TRISTEZA SE REPETE
TAMBÉM RAIMUNDA ANICETE
NÃO ENSINA MAIS POR LÁ
LÁ NA OITICICA VELHA
CACIMBA NINGUEM MAIS VER
ONDE SE APANHAVA ÁGUA
PRA SE BANHAR E BEBER
A CACIMBA DE TANTA ESTIMA
HOJE É COBERTA POR CIMA
DE TRONCO DE MUÇAMBÊ
LEMBREI ANTONIO CORONATO
QUE ERA NOSSO BARBEIRO
AOS DOMINGOS ELE CORTAVA
CABELO O DIA INTEIRO
QUANDO IA TOMAR CAFÉ SE DISCUTIA ATÉ
QUEM IA CORTAR PRIMEIRO
FOI QUANDO EU PEDI CHORANDO
VALHA-ME NOSSA SENHORA
QUE LUGAR TÃO ESQUESITO
FOI TÃO ALEGRE EM OUTR’ORA
HOJE É TUDO DIFERENTE
NÃO TEM CASA E NÃO TEM GENTE
QUEM NÃO MORREU FOI EMBORA
OLHEI DE CIMA DO ALTO
DEU UMA TRISTEZA EM MIM
CONSEGUI VER O LOCAL
ONDE MORAVA PINIM
ENCONTRO DOS NAMORADOS
DOMINGOS E FERIADOS
ERA ALEGRIA SEM FIM
NA SEGUNDA-FEIRA À TARDE
A GENTE SE REUNIA
PINIM CHEGAVA DE PATOS
TRAZENDO A MERCADORIA
OS CASADOS IAM COMPRAR
E OS JOVENS NAMORAR
ERA SOMENTE ALEGRIA
E A MATANÇA DE BOI
DE PINIM JÁ NÃO TEM MAIS
E NEM A LATADA GRANDE
CHEIA DE MOÇA E RAPAZ
EU VI QUE O CASO ERA SÉRIO
PARECENDO UM NECROTERIO
QUE EU VEJO NOS HOSPITAIS
AQUELES COQUEIROS VELHOS
DO ROÇADO DE PINIM
HOJE SÓ EXISTE UM PÉ
COMO QUE A DIZER ASSIM
MEUS COCOS DE AGUA DOCE
HOJE PORQUE ACABOU-SE
NINGUEM OLHA MAIS PRA MIM
A CASA DE ZÉ VALDIVINO
ONDE EU TINHA UMA NAMORADA
PAREI E FIQUEI OLHANDO
UMA PORTA ESCANCARADA
UMA PARTE DO FOGÃO
E ALGUNS CACOS NO CHÃO
DE UMA PANELA QUEBRADA
QUASE TODO FIM DE ANO
HAVIA UMA FARINHADA
ÀS SETE HORAS DA NOITE
CHEGAVA A RAPAZIADA
ALGUNS TOMAVAM PITÚ
OUTROS COMIAM BEJU
ATÉ ALTA MADRUGADA
RESOLVI VOLTAR PRA CASA
FOI A MELHOR OPÇÃO
QUANDO CHEGUEI NA ESTRADA
MAIS UMA DECEPÇÃO
A CASA DO JACARÉ
NÃO EXISTE NADA EM PÉ
UM PATRIMONIO NO CHÃO
DE LÁ EU PARTI CHORANDO
DEIXANDO TUDO PRA TRAZ
BERÇO DA MINHA INFANCIA
ONDE MOREI COM MEUS PAIS
SEM NADA PODER FAZER
SUÉCIA EU DIGO A VOCÊ
ADEUS PARA NUNCA MAIS
DOUTORES CÁDMO, STÊNIO
E DR. DUILIO O JUIZ:
NÃO INGNOREM ESSES VERSOS
E AS COMPARAÇÕES QUE FIZ
FOI DA ESTRADA AO POENTE
POIS QUEM MORA AO NASCENTE
COM VOCÊS TRÊS É FELIZ...
